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Do direito das crianças escolherem sua crença

Do direito das crianças escolherem sua crença

Lembro com clareza de quando era criança muito pequena e minha mãe, católica fervorosa, nos conduzia à pequena capela, no interior onde a gente morava, para assistir as aulas de catecismo, que nada mais eram que uma introdução aos rituais da religião. Depois viria o preparo para a crisma, aulas ministradas por uma vizinha, que não era lá exemplo de conduta nem de intelectualidade. Mas era uma “beata”, expoente nos rituais da igreja. Enfeitava o altar, ajudava o padre na missa quando este vinha da cidade, uma vez a cada três meses. O catecismo, para a gurizada, era algo maçante, pouco claro, árido, aborrecido, com citações de mistérios, história antiga, difícil para entendermos a existência de Deus.  Havia um clima de terror, com ameaças do fogo do inferno, purgatório, demônios. Tudo em nome de exaltar virtudes e condenar vícios. Depois da cerimônia da crisma, podíamos confessar, comungar. Fomos obrigados a freqüentar as missas.

               Essas eram para nós, gurizada, uma coisa insossa, sem atração. Na verdade eu rezava porque era um dever, mas não sentia nada durante as orações, somente o desconforto de ficar longo tempo de joelhos, agüentar o sono ouvindo a arenga monótona das pessoas. Mas a gente não reclamava, as crianças eram tratadas como bichinhos, não era costume deixar as crianças reclamarem. As ordens eram para serem obedecidas e pronto. Com minha mãe era diferente, quando eu olhava para ela rezando, via que tinha um olhar místico, cabeça inclinada, mãos para cima em sinal de submissão, dizia que sentia a presença dos anjos, dos santos, de Nossa Senhora. Ela tinha uma luz interior; eu não. Ela dizia que a religião lhe trazia uma sensação de vida após a morte.

               Conforme crescemos, mudamos como muda o vento. Hoje eu não me confessaria nem que o inferno congelasse. Mas antes era costume. Quando o padre vinha á localidade a criançada fazia fila para se confessar. Ficávamos brincando, um desafiava o outro perguntando o que ele iria confessar. —Duvido que tu conte que quebrou os ovos do ninho de coruja, que torturou um filhote de lebre, que tu ficou espiando a prima Helena enquanto essa tomava banho na sanga. Bastava contar ao padre seus erros e culpas que este o perdoaria se rezasse 5 ou 10 Ave Maria e se dissesse arrependido. Era a invasão total da privacidade, do íntimo, do âmago, do sentido interno da vida da pessoa.

               Penso que os pais deveriam respeitar as diferentes fases da menoridade. Acredito que o ideal seria que cada ser humano pudesse decidir qual religião, qual crença a seguir quando tivesse capacidade de discernimento, de escolha, de opinião, de pensamento. Escolheria conforme suas próprias convicções e não por imposição paterna, por costumes.

 As crianças têm o direito de crer, assim como têm o direito de não crer. A liberdade religiosa é um direito humano, desde as crianças pois essas são sujeitos de direito e não objetos de direito. Toda a crença que é imposta é abandonada na primeira oportunidade. Talvez isso justifique o vazio dos templos hoje, principalmente a ausência de jovens.

               Minha espiritualidade não exige demonstração pública de fé. Exige e cumpro, respeito aos dogmas das igrejas, à Deus e ao próximo. Faço minhas reflexões teológicas sem a ajuda de pastores, padres ou mercenários das igrejas. Pode parecer arrogância de minha parte mas essa postura me protegeu de abusos da crença patrimonial. Com já escreveu o filósofo Luiz Felipe Pondé, nunca gastei um centavo com os mercadores da fé.

               Clóvis Medeiros

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