por Clóvis Medeiros
Para compor este texto tive que me equilibrar entre a criatividade e os fatos. Entre relatos e opiniões subjetivas de testemunhas que conviveram com Wilhelm Steinschen, uma figura exótica que morou durante muitos anos em Tuparendi. Reuni muitos depoimentos, o conheci na década de oitenta, lembro de sua morte. Gostaria de ter conversado com ele mas o mesmo era introspectivo, fugia de perguntas, se auto bloqueava, nada contava sobre sua vida pregressa. Não gostava de falar da história.
Sabemos, no entanto, que o personagem surgiu em Santo Ângelo, em pleno período da Segunda Guerra Mundial. Ficou instalado em um hotel de propriedade de um casal alemão. Em 1947 teria se mudado para Tuparendi, onde faleceu em 1987. Muitas famílias o acolheram, até pelo fato de que ele era uma pessoa muito culta, educada. Tinha seu próprio modo de agir e de ser e esses detalhes formavam a personalidade de Willy. Possuía hábitos diferentes dos moradores locais. Falava a língua alemã fluentemente, o que facilitava a aproximação com as inúmeras famílias de alemães residentes em Tuparendi. Segundo a senhora Ely Witt, hoje com 95 anos, Wilhelm falava fluentemente françês, além de se expressar muito bem na língua portuguesa.
Tinha o aspecto de uma pessoa muito pobre, vivia como um indigente, morava em casebres, vestindo quase sempre as mesmas roupas. Mas testemunhas contam que ele teria trazido da Alemanha ternos completos e de boa qualidade, compostos por coletes, luvas, casacas, gravatas, sapatos social e que ficavam guardados em uma alfaiataria local que tempos depois passou a ser de propriedade de Lindolfo Tesche. Conta-se que alunos de Tuparendi, que cursavam faculdades e estavam em período de férias, vinham em procura de Steinschen para aprimorar seus conhecimentos em Física, Matemática, Química e outras matérias. Era também exímio nadador. Em muitas festas de Nossa Senhora dos Navegantes, em Porto Mauá, ele era atração atravessando o Rio Uruguai nadando num percurso de ida e volta. Numa oportunidade salvou de afogamento o irmão da senhora Ely. No Clube Caiçara, ensinava os jovens a nadar. Portanto deu provas de sua intelectualidade além de formação física impressionante.
Gostava de caminhar e para isso dedicou-se, de maneira informal, a entregar correspondências dos Correios pela cidade. Foi jornaleiro. Auxiliava nas tarefas cotidianas do Hospital local e durante muitos anos foi auxiliar do Frederico Gertz, desde a abertura do cinema de Tuparendi. Nos conta o Fritz que o Willy, como o chamavam, era uma pessoa muito leal. Podia deixar dinheiro nas mãos dele que ele era de extrema confiança. Nunca queria cobrar pelos serviços que prestava.
Testemunhas lembram de que chamava a atenção sua voz quando cantava no coral da Igreja Evangélica de Confissão Luterana. Destacava-se como tenor. Enfim, certamente foi um homem culto. Nas raras oportunidades em que falou de suas origens disse que teria havido um desentendimento com o pai e então tomado a decisão de fazer uma viagem pelo mundo, quando embarcou em um navio, chegando ao Brasil. Nunca mais voltou. Ouvi outras versões. Respeito a quem der crédito a qualquer delas. Como se fizesse associação de idéias com o fato de que nosso personagem não gostava de falar de seu passado, a Segunda Guerra Mundial ocorria no mesmo período em que veio para o Brasil, não falta quem pense na teoria da fuga de oficiais nazistas para a América do Sul. Mesmo com a caça constante do Centro Simon Wiesenthal, muitos nazistas conseguiram fugir e escapar da justiça. Lembrem que Joseph Mengele, o médico conhecido como o Anjo da Morte, passou por aqui, desenvolveu atividades em Cândido Godói e faleceu de morte natural em Bertioga, São Paulo, em 1962. Adolf Eichmann, o nazista mais notório do mundo foi preso em 1960 em Buenos Aires.
Afinal, quem foi Wilhelm Steinschen? Qual a verdadeira razão para vir morar em Tuparendi, uma comunidade pequena, provinciana, a antítese das comunidades européias? Não o sabemos. Está enterrado numa tumba no cemitério evangélico de Tuparendi. Levou consigo sua verdadeira história, deixou conosco parcas informações, nossas opiniões, nossas teorias, nossa imaginação fértil. No creo en brujas, pero que las hai, las hai!
Creio que tudo não passa de meras coincidências. Wilhelm foi tão comum como uma laranja. Ao final de sua vida fui algumas vezes em uma casinha onde ele morava, no pátio da garagem da Prefeitura. Levava comida, cobertas. Ele vivia como um indigente, recluso. A casinha era meio escura, empoeirada, com pilhas e pilhas de coisas acumuladas ao longo do tempo, uma mistura de revistas e livros velhos que despertavam a curiosidade de alguns que especulavam que tipo de literatura ele consultava. Nada demais. Havia uma Bíblia e além dela uma coleção de Karl May, um escritor alemão cujos textos sobre viagens e aventuras, eram baseados no faroeste americano. Nada que um oficial da SS de Hitler pudesse demonstrar interesse!