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Fiz uma pequena viagem nos últimos dias e, no retorno, passei por Porto Alegre. Como tenho lembranças afetivas dos tempos em que lá morei para estudar e trabalhar, resolvi visitar alguns pontos de referência da minha já, tão distante, mocidade. Acabei, no Mercado Público. Gosto daquele lugar histórico. Foi construído em 1869. Mais velho que eu! É um ponto tradicional de Porto Alegre. Lá se encontra pão quente, sorvetes, verduras, carnes diversas, especiarias, bacalhau importado, peixes, azeitonas das mais diversas partes do mundo, vinhos, cervejas artesanais, lingüiça picada à faca, castanha do Pará, erva mate à granel. O prédio sobreviveu a quatro grandes incêndios. Nos seus cento e cinqüenta anos foi atingido pela grande enchente de 1941, tentativas de demolição por dirigentes políticos idiotas, projetos de modernização que se fossem concretizados, viriam a descaracterizar sua tradicional arquitetura.

Mas o Mercado Público é um pólo sócio cultural. Ali circulam tipos diferentes, gente de todas as cores, de todos os matizes, de várias etnias. Haitianos, angolanos, venezuelanos, afegãos. Existe um restaurante cujo dono é um português, de mais de oitenta anos. Com seu sotaque característico se dirige a cada mesa , sempre com uma piada, (talvez a mesma que conta há mais de sessenta anos) uma simpatia ímpar. Os garçons vestidos à caráter, gravata borboleta, terno escuro, sapatos, camisas brancas. Galhardia. Tudo por respeito ao cliente. Comida boa, simples, bom gosto, higiene, ambiente agradável. Barato.

Costumo ir no que dizem ser o restaurante mais antigo do Mercado, o Gambrinus. Ao lado do Bar Naval. Oferece o seu famoso bolinho de bacalhau. O melhor que já comi. Autêntico. Servido acompanhado de pimentas selecionadas da Bahia, azeite de oliva português. Caí em desgraça ao perguntar ao garçom se o bolinho de bacalhau continuava bom como antes. Ele, rindo disse: um primor. Até bacalhau tem. Não mudamos a receita desde cinco de Outubro de 1889, quando abrimos o restaurante. O então governador do Estado, Olivo Dutra, é freqüentador assíduo. Tem o hábito de tomar as cachaças de alambique, vindas de Santo Antonio da Patrulha. À noite, também costumava aparecer para consumir a feijoada ou o mocotó, o cronista da Zero Hora, Paulo Santana.

Decidi almoçar num dos inúmeros restaurantes da parte externa. O perfil dos freqüentadores é um pouco diferente. Gente muito simples, trabalhadores braçais, desempregados, algum morador de rua, exilados, que ali fazem suas refeições por serem mais baratas. Pareciam as mesmas pessoas que eu observava há mais de cinqüenta anos. Tipos folclóricos, rindo, brincando, contando piadas, alegres. Crise? Que crise? E eu com isso? Não se perde o que não se tem. Gente falando de boca cheia, feijoada, rabada, mocotó, filé de peixe frito com farofa. Há tempos não via um boteco lotado de gente. Ora rindo de um colorado, ora de um gremista. Ao final, todos gargalhavam. Almas livres que iluminam à sua volta. Felicidade explícita. Bom humor. Vida pulsando, cheia de emoções. Todos habituados a esse mundo, à vida simples, sem frescura, sem refinamento, sem elegância, desprovidos de soberba, sem gravatas e sem sapatos lustrados.

Aquelas pessoas são felizes. Gente simples, como nós, eu que escrevo e tu que lê. Aquelas pessoas estão habituadas, não à miséria mas a viver com economia, com pouca exigência. Vivem em meio a tantos que têm tão pouco.

Rascunhei este texto, sentado num canto do bar, sossegado como pai de guria feia. Há tempos descobri que a vida é boa, basta descomplicar aquilo que é tão simples.

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