PEDRO KAEFER WESCHENFELDER
Advogado Criminalista
Inegável que a grande maioria de brasileiros sabem o quanto é prejudicial a prática de crimes, como a vontade e a pretensão de impedi-los e punir seus autores. Mas a sociedade tem que saber também que, para combatê-los, os meios não poderão avançar a legalidade. As leis existem para evitar outro crime: o abuso do poder de punir. A maioria da sociedade brasileira não conhece os direitos constitucionais e, o mais grave, o pouco que conhecem vem do que é noticiado pelos meios de comunicação. Dessa mistura de desconhecimento com distorção resulta com que em nosso País, pessoas presas nas operações policiais já são consideradas culpadas, mesmo antes da sentença condenatória final.
A interpretação de que o advogado criminalista ¨está ao lado do bandido¨, e que ¨beneficia o acusado¨, infelizmente ainda continua sendo um falso entendimento em nossa sociedade. A sua tarefa é um serviço público à garantia da ordem jurídica contra qualquer excesso punitivo. A defesa não se dedica ao fomento da impunidade e contribuição para o crime. Ela existe à disposição de qualquer cidadão investigado, processado, condenado até na execução da pena, a fim de que possa ter o direito de se defender em sua plenitude, de questionar, de provar sua inocência, a fim de assegurar a manutenção do Estado Democrático de Direito.
É por tudo isso que a sociedade deve saber que o direito à defesa tem uma construção história contra o desrespeito aos direitos das pessoas pelos poderes absolutos e tiranos. A sociedade não pode esquecer de que nosso sistema penal possui regras que devem ser respeitadas e cumpridas, sob pena de responsabilização.
Devemos evitar, que no processo penal, os pretextos e as desculpas costumeiras de sempre dos poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário), não venham contaminar as provas e o direito do cidadão com o ¨ouvi contar¨, ¨ouvi dizer¨, ¨me falaram¨, ¨me disseram¨ e ¨eu acho¨, ¨falta de funcionários, verbas, viaturas, gasolina, peritos, médicos, ainda somados a outras tantas alegações.
Poderia, aqui, enumerar vários predadores que o descumprimento do Direito do cidadão possui. O pior deles é a falsa moral e o moralismo, gerando distorções e inconstitucionalidades.
Não estou a criticar nenhum operador do Direito, mas ainda há poucos juízes e membros do ministério Público que querem corrigir o Direito, através de achismos e de fundamentos genéricos, porquanto o juiz, o intermediador dos conflitos, apenas deve aplicar o Direito. Evidentemente que o juiz não é escravo da lei, pois é detentor de subjetividades. Mas essa subjetividade não deve se sobrepor à lei e à Constituição. Se não é escravo da lei, também não é o dono da lei. Pois não vamos ao Judiciário para saber da opinião pessoal do juiz sobre um determinado assunto. Queremos saber do juiz, na condição de Autoridade Judicial, o que a lei diz, e por isso é considerado a boca a lei.
Se ainda assim não fosse, soma-se ainda a morosidade da Justiça em suas decisões. Sabe-se que Justiça tardia se transforma em rebeldia e injustiças.
Sinto essas deficiências diariamente na minha área de trabalho, na lida com presos queixosos e rebeldes em Casas Prisionais de diversas Comarcas. É morosidade da Justiça nas decisões, superlotação, mistura de presos preventivos com condenados e com regimes diversos e falta de higiene. A grande maioria, embora inconformados com a condenação, o que é compreensível, quer somente cumprir a pena estabelecida na sentença, e não quer nem saber das desculpas apresentadas pela Justiça, a exemplo do acima descrito. Pois qualquer descumprimento do direito do preso transforma-se em excesso na execução, e consequentemente em rebeldia, sobrando para a defesa ouvir os destemperos e impropérios, fatos e causas que a sociedade não pode esquecer.
Nesse contexto, defender um acusado de crime, ou mesmo um preso na execução da pena, vem se tornando uma tarefa difícil, quase que proibida. E como explicar esse clima ao acusado e aos seus familiares e dar-lhe uma solução que tanto espera?
Daí, o bom criminalista deve entrar em ação e se lembrar dos bons professores, se é que teve, e nos grandes estudos em que se empenha, não só apenas considerando a técnica, a experiência e esforço, tampouco o mero conhecimento de leis, súmulas e decisões dos tribunais superiores, mas aliar-se a arte, especialmente no sofrido processo penal brasileiro, no qual cada decisão pode significar uma surpreendente mudança de entendimento.
Aliás, no Brasil, defender de fato, é uma arte. A Constituição e as leis valem pouco. Para muitos julgadores e acusadores, a defesa vale menos ainda.
Dependendo dos investigados e dos acusados – e se há clamor público e pressão midiática –, o romance em cadeia se transforma em um zapear entre séries de comédia, terror, suspense e, ao final, tudo termina em drama, mas nunca para os autores desse pretenso romance, evidentemente.
A cada julgador, um entendimento diferente; às vezes, o mesmo julgador possui entendimentos diferentes, dependendo de quem está no malfadado “banco dos réus”. Cada acusador com uma motivação; às vezes, a motivação é legítima, mas também há casos de motivações levianas, antirrepublicanas e espúrias.
Por outro lado, o defensor precisa ter habilidade de fazer com que seus argumentos sejam, no mínimo, ouvidos pelo Magistrado, o que tem sido uma tarefa hercúlea nos dias atuais, em que alguns Juízes saem da sala de audiência durante as alegações finais orais da defesa, negam requerimentos defensivos deixando de fundamentar – “para evitar desnecessária tautologia” – e “desfazem” designações de defensores dativos que discordam da realização da audiência sem a presença do réu preso.
Finalizando, digo o que alguém já disse: ¨Para ser um advogado criminalista deve ter coragem de um leão e a mansidão de cordeiro, altivez do príncipe e a humildade de escravo, a rapidez do relâmpago e a persistência do pingo d’agua, a solidez do Carvalho e a flexibilidade do bambu¨.
Agora digo eu, finalmente.
Não importa saber se é proibido ou necessário defender o acusado ou o preso, importa saber que para ser um bom advogado de defesa criminal, nas circunstâncias acima citadas, deve ele saber tocar as estrelas e fazer os anjos chorar!