Nunca houve uma busca tão incessante das pessoas, o quanto se vê na atualidade, pela felicidade. Nossos antepassados, tudo que buscavam era lutar pela sobrevivência, pelo alimento, por um trabalho. Como a humanidade foi evoluindo, pois não somos os mesmos sujeitos, fomos nos modificando conforme muda a cultura, a política, a economia, o meio ambiente, etc; dessa forma estamos criando novos sujeitos e novas formas de pensar, de viver e de nos relacionar. Consequentemente, de maneira indiscriminada, estamos produzindo uma cultura da Happycracia (*), a indústria da felicidade, sendo que este, tem sido grande tema de inserção midiática através de livros, seminários, cursos, coaching, medicalização, etc. Não podemos fugir da responsabilidade ou culpar alguém porque, ao mesmo tempo em que podemos ser “vítimas”, somos também os “autores” do próprio adoecer.
No que tange ao termo felicidade, o que deveria ser sentido em dados momentos da vida, como sensação de prazer e bem estar, (veja bem, digo alguns momentos); passa a tomar uma grande parte da vida das pessoas como um imperativo, como um modo de ideal de viver, um modo muito idealizado que as pessoas criam frente aos ideais de sucesso.
Vivemos numa cultura que propõe como meta de vida ser feliz, ou seja, onde todos precisamos estar direcionados a esta meta, a da felicidade coletiva, da plenitude a qualquer custo. Ideais de sucesso que estão transitando muito o campo da exigência do “ter”, sendo que o “ser” fica cada vez mais relegado, abafado, deixado para amanhã, um amanhã que se perde no tempo.
Os ideais sempre funcionaram como uma espécie de norte para a nossa vida, sendo que nos planos dos ideais de vida eles não são em absoluto um problema. O problema não está nos ideais, mas em como cada um delega e entende o que é importante para si, desconsiderando o corpo, a mente e enaltecendo cada vez mais o “você precisa ser assim…” ou “você precisa ter” para poder ser; aí está o metaverso (**) para confirmar, o campo onde tudo pode.
A falta de reflexão e crítica na atualidade se estende de forma massificada e alienada, em que se busca uma forma padronizada e sistematizada do pensamento; de tal maneira que a organização de vida das pessoas ou para elas poderem fazer parte do mundo precisam ser assim. Dessa forma, o campo da singularidade, de que cada um é um, e cada um pensa de uma maneira e deseja coisas diferentes para sua vida perde a vez, e aí se perde o sujeito humano ou o sujeito se perde de si e adoece. No entanto, essa alienação das pessoas frente a estes imperativos acaba produzindo seres humanos fracassados e infelizes; aí encontra-se o revés da busca incessante pelos imperativos de felicidade.
Torna-se, assim, importante a existência de um espaço de compreensão, discernimento, isto é, lugar com um profissional preparado, pois isso significa que não se parte de qualquer escuta ou aconselhamento do que se deve fazer. Pensar sobre si e se repensar, reconstruir a sua própria história não é um exercício simples; pelo contrário é complexo e leva tempo, exige paciência por parte de quem se propõe e muito preparo do profissional que se dispõe. No entanto, tornar possível e identificar em si suas possibilidades e suas limitações, aprender a lutar frente ao que é importante e de fato necessário, lidando com o enfrentamento dos desafios de viver, se faz vital à sobrevivência em dias de guerra.
Ser humano é sofrer, mas não só!
*Happycracia: a indústria da felicidade. Leia mais sobre o tema.
**Metaverso: realidade paralela dentro do mundo virtual. Ex: games, realidade virtual. Leia mais sobre o tema.
DÉBORA REGINA KNEBEL – Psicóloga, Mestre em psicanálise, psicanalista em formação pelo PROJETO Associação Científica de Psicanálise de Passo Fundo, proprietária do Gaia Freudiana Serviços em Psicologia.