O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, por meio da PROMOTORIA DE JUSTIÇA ESPECIALIZADA DE SANTA ROSA-RS, pela Promotora de Justiça signatária, no uso das atribuições conferidas pelo artigo 129, inciso II, da Constituição Federal, e artigo 201, incisos VII, VIII, e §5.º, alínea “c”, do Estatuto da Criança e do Adolescente, vem expedir a presente RECOMENDAÇÃO dirigida aos diretores e responsáveis legais das instituições de ensino da rede privada atuantes nos Municípios de Santa Rosa, Tuparendi e Porto Mauá.
CONSIDERANDO que a Constituição Federal em seu artigo 196 dispõe que a
saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação;
CONSIDERANDO que incumbe ao Ministério Público a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis,
sendo esta sua missão constitucional, conforme dispõe o art. 127, da CRFB de 1988;
CONSIDERANDO que, dentre as funções institucionais do Ministério Público,
está a de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância
pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas
necessárias à sua garantia, nos termos do art. 129, inciso II, da CRFB de 1988;
CONSIDERANDO que a Organização Mundial de Saúde expediu
recomendações quanto ao COVID – 19, entre as quais estão destacadas a declaração de
pandemia e a necessidade de adoção de medidas essenciais relativas à prevenção;
CONSIDERANDO que a edição da Portaria nº 188, de 03/02/2020, do Ministério
da Saúde, dispõe sobre a Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância
Nacional (ESPIN) em decorrência da Infecção Humana pelo novo coronavírus (2019-
nCoV);
CONSIDERANDO que os artigos 3.º, 4.º e 70 do Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei n.º 8.069/90), assim como o artigo 227 da Constituição Federal,
estabelecem como dever de todos, família, sociedade e Estado, prevenir a ocorrência
de ameaça ou violação aos direitos da criança e do adolescente;
CONSIDERANDO que, para os efeitos legais, criança é pessoa de até 12 anos de
idade incompletos, e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade, de acordo com o
artigo 2.º do Estatuto da Criança e do Adolescente;
CONSIDERANDO que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer
forma de negligencia, discriminação, exploração, crueldade e opressão, punindo na
forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais
(art. 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente);
CONSIDERANDO que o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da
integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a
preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos
espaços e objetos pessoais (art. 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente);
CONSIDERANDO que é dever de todos zelar pela dignidade da criança e do
adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento,
aterrorizante, vexatório ou constrangedor (art. 18 do Estatuto da Criança e do
Adolescente);
CONSIDERANDO a necessária conciliação entre o direito à educação de
qualidade e o asseguramento do direito à saúde, devido às evidências científicas e a
pandemia do COVID-19;
CONSIDERANDO o Decreto Estadual 15.433/2020-RS suspendeu as aulas em
todos os estabelecimentos de ensino do Estado do Rio Grande do Sul, tratando de
forma equânime as redes pública e privada de ensino;
CONSIDERANDO o anúncio, pelo Governo do Estado, do possível retorno a
partir deste mês de maio, inclusive com possibilidade de antecipação em relação às
instituições escolares privadas, com a antecipação do retorno e o tratamento
diferenciado às redes de ensino, ante o tratamento igualitário expresso no
ordenamento jurídico brasileiro, que dispõe que as todas as redes devem cumprir as
normas gerais da educação nacional e do respectivo sistema de ensino (vide art. 7º da
Lei 9.394/96);
CONSIDERANDO que o eventual retorno das atividades presenciais nas escolas
gaúchas configura-se prematuro, em vista da complexidade dos necessários protocolos
sanitários, que deverão ser atestados pelo órgão sanitário estatal, e da decorrente
dificuldade de sua operacionalização para serviços com grande aglomeração de
pessoas, como é o caso das instituições de ensino, exigindo lapso considerável para a
preparação física das escolas, capacitação dos profissionais da educação, até a
adequada orientação aos alunos e pais, quanto à prevenção da disseminação do
coronavírus;
CONSIDERANDO ser indispensável que, previamente à possibilidade de
reabertura das escolas, haja o prévio estabelecimento, também, de protocolos
pedagógicos, os quais ainda estão pendentes de definição pelos sistemas de ensino no
Rio Grande do Sul, uma vez que é recente a emissão de parecer sobre o assunto pelo
Conselho Nacional de Educação;
CONSIDERANDO que neste cenário de pandemia, nenhum outro bem, direito
ou interesse pode ter primazia sobre o direito à vida e à saúde e que a educação deve
ser entendida como um direito social, sem preponderância do aspecto econômico,
respeitados os princípios legais da proteção integral e prioritária, do interesse superior
da criança e do adolescente, da obrigatoriedade da informação, da oitiva obrigatória e
participação e da responsabilidade primária e solidária do poder público, entre outros
que regem a condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos, inclusive
na deliberação relativa ao retorno das atividades escolares presenciais (vide art. 100 da
Lei 8069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente);
CONSIDERANDO que eventual retorno às aulas presenciais deve respeitar as
condições subjetivas e objetivas dos alunos e suas famílias, como a proteção dos alunos
com deficiência, dos alunos e profissionais de grupos de risco, quiçá possibilitando a
opção das famílias pela manutenção das atividades não presenciais, para proteção das
crianças e adolescentes, como ocorre em países desenvolvidos como a França e a Itália;
CONSIDERANDO que o Estado do Rio Grande do Sul é o primeiro Estado
brasileiro a retomar as atividades presenciais, em momento que municípios brasileiros
começam a entrar em lockdown, sendo observado que nos países em que a evolução
da pandemia iniciou-se bem antes do que no Brasil a oferta do serviço de educação é
uma das últimas atividades a ser retomada, senão a última;
CONSIDERANDO que o número de infectados na região noroeste do Rio
Grande do Sul apresenta curva crescente de contágio e internações;
CONSIDERANDO que no último boletim informativo divulgado pelo Hospital
Vida e Saúde do Município de Santa Rosa, em 05 de maio de 2020, constam quatro
pacientes internados em leitos de UTI e dez internados em leitos regulares, todos com
suspeita de contaminação pela COVID-19;
CONSIDERANDO os Decretos do Governador do Estado do Rio Grande do Sul
n. 55.115, de 12 de março de 2020, n. 55.118, de 16 de março de 2020 e n. 55.154, de 1º
de abril de 2020;
RESOLVE RECOMENDAR às instituições de ensino privadas da rede de
educação atuantes nos Municípios de Santa Rosa, Tuparendi e Porto Mauá, bem
como as demais instituições privadas de ensino que exerçam suas funções tendo
como público alvo crianças e adolescentes que:
1. NÃO promovam o retorno de suas atividades escolares e de ensino de forma
presencial no mês de maio de 2020, ainda que observado o sistema de bandeiras, ante
o grave risco à saúde dos usuários/alunos, educadores, funcionários, familiares e
sociedade, bem como por acarretar diferenciação indevida entre as redes de ensino e
tratamento desigual às crianças e adolescentes; e
2. Mantenham suspensas as atividades escolares e de ensino na forma presencial
ao longo do mês de maio de 2020, somente retornando quando efetivamente
implementado o sistema de bandeiras e mediante a prévia execução de todos os
protocolos sanitários a serem definidos pelo Governo do Estado, em colaboração com a
sociedade.
Solicita-se seja dada divulgação imediata e adequada à presente recomendação
a todas as instituições particulares de ensino atuantes nos Municípios de Santa Rosa,
Tuparendi e Porto Mauá, e adotadas as providências necessárias a prevenir eventuais
violações da lei, com resposta por escrito no prazo de até 05 (cinco) dias a esta
Promotoria de Justiça Especializada acerca da decisão das instituições privadas em
relação à eventual retomada (ou não) das atividades presenciais.
O desatendimento à presente Recomendação poderá implicar na adoção das
medidas legais e judiciais cabíveis, objetivando-se, inclusive, a punição dos
responsáveis, além da responsabilização civil por eventuais danos que ocorrerem.
Santa Rosa, 06 de maio de 2020.
Ana Paula Mantay,
Promotora de Justiça.