No mesmo período, Nas décadas de 50/60 o melhor passatempo à noite era o footing (com perdão do anglicismo), um passeio a pé ao redor da praça, nas ruas tradicionais da cidade. Em Ijuí, o agradável passeio ocupava as calçadas da Praça da República; em Porto Alegre, na Rua da Praia (Andradas); em Cruz Alta, na Rua Pinheiro Machado. Aliás, na Rua da Praia, a descontraída diversão era o que hoje chamamos de paquera, a gurizada permanecia parada, quase estática entre a Casa Sloper e a Livraria do Globo, olhando as meninas desfilar. E elas passavam como se andassem em uma passarela. Nesse percurso recebiam aplausos, assovios, e até sonoros convites inoportunos tipo […] ‘te espero no meu ap…’ Mas fico por aqui.
Nesta coluna quero me ocupar com os feitos da minha terra natal, Cruz Alta. A Pinheiro Machado até às vinte e duas horas, ficava atulhada de gente quase de ponta a ponta, no passeio às vezes davam uma paradinha a frente dos cafés, a maioria deles com música ao vivo tocada por profissionais. O curioso era que, tanto pessoas da classe média e média alta, desde operários à vendedores, bancários e empresários, assim que encerrava seus expedientes do dia, ao anoitecer já se encontravam na “pinheiro” rigorosamente vestidos para o footing. O ´habito’ era cumprido por homens e mulheres, indistintamente. Mas, na minha Cruz Alta, havia outra diversão muito pitoresca. Após dez horas da noite, toda aquela gente se deslocava para a estação ferroviária. Na longa plataforma e nos dois restaurantes da ESTAÇÃO, aquele povo aguardava tomando chopp ou degustando a famosa sopa de capeletti, o imponente TREM PAULISTA transportando os passageiros de São Paulo a Porto Alegre, com direito a parada de uma hora em Cruz Alta.
O PAULISTA era um comboio com vagões- dormitórios, banheiros individuais, bares, etc, puxado por uma ‘senhora locomotiva a vapor’, que chamava a atenção pelo seu tamanho gigantesco. Era uma ALCO 302. Lá pela meia noite, a ‘mallet’ anunciava a sua chegada através do seu apito estridente ao ingressar no perímetro urbano da cidade. Era o momento dos garçons, paramentados a rigor, smooking branco ou Summer, sapatos de verniz, darem uma espiada na passarela e mandarem o sinal para a cozinha se preparar. Em segundos, adentrava no pátio ferroviário, a ALCO 302, deixando rente à plataforma, os primeiros jatos de vapor e seguindo certa distância até os vagões-dormitórios estacionarem na ‘gare’. Estava organizada nos mínimos detalhes a recepção. Abriam-se as portas do PAULISTA no mesmo nível da passarela e os ‘cavalheiros’ e ‘damas’, eles usando cartolas, elas, chapéus com adereços, saiam em direção ao restaurante sob os olhares e fuxicos dos curiosos.
O povo ficava bisbilhotando do lado de fora, alguns, que já haviam reservado seus lugares, acompanhavam na ceia os passageiros, servidos que eram pelos mestres e garçons. Consumido o tempo de parada começavam os borburins, as despedidas. Em alguns minutos o apito acionado pelo maquinista, as três badaladas do reluzente sino de bronze, tarefa do ferroviário, apelidado de ‘pica-pau’ por causa de seu quepe vermelho. Sobravam os comentários que alimentariam os dias seguintes na ‘Pinheiro Machado’. O comboio desaparecia aos poucos, serpenteando a estrada de ferro pelo resto do caminho.
Quanto romantismo em torno do nado TREM PAULISTA!