Recebi uma ligação do meu colega dos tempos de Colégio Agrícola de Alegrete, o Bolacha. ___Tenho uma notícia ruim para te dar, Clóvis. Faleceu o seu Jovelino. Jovelino Moreira era o dono de um boteco, à beira da estrada que ligava São Francisco de Assis á Alegrete. Ficava em frente a área do Colégio onde havia uma porteira de acesso a escola. Por isso costumávamos chamar de bolicho da porteira. Acho que seu Jovelino estava agora, com quase noventa anos. Lembro bem dele. Era nosso guia, era amigo de todos. Fumava demais cigarros feitos com fumo em corda e palha de milho, gostava de mortadela, não refugava uma cachaça de alambique. Era barrigudo, calmo, gargalhava tão alto que se ouvia do Colégio.
Contava que quando mais novo foi domador de cavalos, amansador de bois, alambrador. Contava que nasceu e se criou numa fazenda em Manoel Viana. Fazia de tudo, ganhava quase nada. Casou com Florência e a filharada aumentou. Então ele concluiu que não havia como tirar o sustento da família como empregado na fazenda. E resolveu se mandar para o Alegrete. Vendeu alguns trastes, reuniu os filhos, a mulher e meteu o pé na estrada. A mudança foi numa carreta puxada por uma junta de bois que o patrão lhe deu de presente. Longa era o caminho a ser percorrido. Rios, campos, matos, pernoites embaixo de árvores que lhe oferecessem abrigo.
Chegaram em frente ao Colégio Agrícola, gostou do lugar,comprou um pedacinho de terra e por lá se estabeleceu instalando uma “venda”, que no início oferecia alpargatas, relhos que ele mesmo fazia, chapéu de palha de trigo que a mulher trançava, fumo em corda, querosene, erva mate à granel, açúcar e cachaça de alambique que vinha de Jaguari. Trabalhava de peão para completar a renda. A situação continuava precária mas pelo menos era mais dono do seu nariz. Vivia no que era seu e onde veio a morrer nesta semana. Contava que perdeu alguns filhos porque ”filho é como outras criações: morrem muitos”, dizia. Mas os filhos crescidos lhe deram netos, alguns estão bem empregados nas cidades próximas, Quaraí, Uruguaiana, Cacequi.
Ele adorava a gurizada do Colégio. Por ser velho, era sábio, lúcido. Interferia em nossas discussões bestas e trazia a sua sabedoria popular. Nossas polêmicas não iam além de temas como se a mistura de melancia com leite faria mal, cachaça com uva, etc. Ele falava:___Gurizada. Essa discussão não leva a nada. É trocar nada por coisa nenhuma. Não serve para nada. Não aumenta nem abaixa o preço da lingüiça. Não rende, não semeia, não engorda o boi. Tratem de estudar!
Como jogávamos snooker e tomávamos nossas caipirinhas, certo dia o inspetor de alunos, seu Denei, á mando do diretor, foi pedir ao bolicheiro que proibisse aos alunos a venda de cachaça e o jogo de mini snooker. Seu Jovelino se transformou, ficou possesso. Com berros e xingamentos correu com o inspetor. Com palavrões impublicáveis defendeu as “minhas crianças” que chegam aqui para se divertirem. Nada fazem de errado. O inspetor que sabia de algumas histórias nebulosas do homem resolveu bater em retirada.
Fui visitar meu amigo no ano de 2013. Encontrei-o bem debilitado, estava sofrendo do Mal de Alzheimer. Não lembrou de mim. O Bolacha me contou que morreu vítima de um raio. Não sofreu, não viu a morte chegar. Ficamos muito tristes!