As dinâmicas dos relacionamentos sociais fizeram surgir novos contextos familiares, ampliando, assim, o conceito de família, o qual não mais se enquadra apenas em uma definição de família tradicional composta por um homem, uma mulher e seus descendentes. A família deixou de ser vista sob um aspecto econômico e meramente procriatório e passou a ser um instituto que desenvolve o bem estar social de seus membros, ligados principalmente por vínculos afetivos.
Quantas vezes escutamos a frase: “Pai/mãe é quem cria!” Isso nos faz realmente distinguir meros genitores daqueles que realmente desempenham a função de pai e mãe e que assumem a responsabilidade perante seus filhos. A filiação socioafetiva, portanto, consiste em uma relação de afeto, sendo inexistentes os laços consanguíneos. Este tipo de filiação pode ser encontrada nas adoções, nas reproduções assistidas heterólogas (em que é utilizado o material genético de um terceiro doador) e na posse do estado de filho (filho do coração) .
O vínculo de filiação afetiva se estabelece com o tempo, consolida-se com a convivência, com os cuidados entre os conviventes, com a assistência material, com dedicação de amor e de afetividade. Importa também a exposição desse comportamento tanto no seio familiar como na sociedade, de modo que a relação se estabeleça com a mesma naturalidade que se percebe no caso de um filho biológico.
A posse de estado de filho é comprovada por via testemunhal, o qual é necessário que estejam presentes três requisitos básicos: nomen, tractatus e fama. A criança deve possuir o nome do pai socioafetivo, ser tratado como filho por este, e ser reconhecida perante a sociedade como uma relação paternal . Não raras vezes, essa posse é demonstrada pelo fato de um enteado ver em seu padrasto/madrasta a verdadeira figura paterna ou materna, ligados pelo vinculo do afeto. Dessa forma, é inquestionável a demonstração dos requisitos para a sua configuração.
Ressalta-se que o reconhecimento da filiação socioafetiva é irrevogável e demonstra legitimidade semelhante ao registro de nascimento convencional, podendo somente ser desconstituída caso seja comprovada fraude, simulação ou vício de vontade. Não pode esse instituto acalentar fragilidades sentimentais oportunas a uma situação que demonstre instabilidade tanto emocional, quanto jurídica. Há que se falar em continuidade do laço firmado entre adotado e adotante.
Uma das formas de reconhecer a paternidade/maternidade socioafetiva consiste no fenômeno da Multiparentalidade, em que possibilita uma criança ou adolescente ter em seu registro de nascimento dois ou mais pais ou duas ou mais mães, sem que uma exclua a outra, consistindo em uma somatória de paternidades, uma biológica e outra afetiva . A multiparentalidade surgiu desta nova dinâmica das famílias reconstituídas, também denominadas de mosaicos, esta estrutura familiar é composta em um casamento ou união estável em que um ou ambos os integrantes possuem filhos de outra relação anterior e passam a compor uma nova família.
A criança ou adolescente passa a reconhecer tanto o pai/mãe biológico quanto os socioafetivos como seus pais e mães, não havendo nenhuma distinção ou sobreposição entre eles. Além da via judicial para o reconhecimento da multiparentalidade, o Provimento no 63/2017 da Corregedoria Geral da Justiça possibilitou que o reconhecimento da paternidade socioafetiva ocorre-se de forma extrajudicial. Porém, estabeleceu que alguns requisitos fossem observados como, por exemplo, a apresentação dos documentos pessoais do requerente e principalmente a anuência do pai, da mãe e do filho se este for maior de 12 anos de idade.
O Instituto da Multiparentalidade vem com o propósito de valorizar todo o afeto prestado pelos pais afetivos aos seus “filhos do coração” e reafirmar mais uma vez que os vínculos afetivos possuem os mesmos valores, se não mais, do que os elos biológicos.