Um estudo realizado pelo Laboratório de Biologia da Conservação da UFFS – Campus Cerro Largo, sob a coordenação da professora Daniela Oliveira de Lima – em parceria com Fabrício Luiz Skupien, Alonso Moscón e Marcelo de Moraes Weber –, foi recentemente publicado na revista “Perspectives in Ecology and Conservation”. Intitulado “Quando as águas sobem: Biodiversidade potencialmente afetada por uma grande enchente no sul do Brasil” (original “When waters rise: Biodiversity potentially affected on a major flooding in Southern Brazil”), ele traz uma análise dos efeitos da inundação de maio de 2024 sobre a biodiversidade do estado do Rio Grande do Sul.
Conforme o estudo, “4.300 km² de ecossistemas nativos foram inundados, incluindo 1.200 km² de florestas e 1.020 km² de campos nativos. Ecossistemas aquáticos, áreas úmidas e vegetação costeira em solos arenosos também foram afetados. As inundações afetaram 825 km² de uma rede insuficiente de Unidades de Conservação (UC), impactando 17% das áreas designadas para uso sustentável e 26% das áreas de proteção integral. Da mesma forma, 1.440 km² de Áreas de Preservação Permanente (APPs) foram inundadas, com 67% já sem vegetação nativa”.
A área afetada pelas inundações abrange os biomas Mata Atlântica e Pampa, que são os mais ameaçados do Brasil. De acordo com os dados levantados, a vegetação nativa compreende 36,3% da área original na Mata Atlântica e cerca de 45% no Pampa. “Portanto, os ecossistemas nativos e sua biodiversidade na área afetada já estavam severamente ameaçados. De 1985 a 2022, o Pampa brasileiro perdeu 32% de sua área natural, principalmente para agricultura, especialmente terras de cultivo de soja”, pontuam os pesquisadores.
“Essa inundação maciça provavelmente deixou esses escassos remanescentes de vegetação natural em uma situação ainda pior, já que as inundações impactam severamente a biodiversidade. Além disso, a falta de vegetação nativa certamente piorou as inundações catastróficas que testemunhamos, destacando um ciclo crítico, onde a degradação da vegetação nativa aumenta a vulnerabilidade a eventos extremos, o que por sua vez corrói ainda mais a resiliência de ecossistemas já ameaçados”, aponta o artigo.
A extensa inundação afetou uma parcela significativa da fauna nativa de tetrápodes (anfíbios, répteis, aves e mamíferos), abrangendo 747 espécies: 74 anfíbios, 88 répteis, 461 aves e 124 mamíferos. Este número representa pelo menos 70% de todas as espécies de tetrápodes com ocorrência no RS e mais de 85% de todas as espécies de tetrápodes ocorrendo na bacia hidrográfica.
“Considerando as espécies ameaçadas no RS, os mamíferos foram o grupo potencialmente mais afetado pela inundação, seguidos por aves, répteis e anfíbios, respectivamente. No entanto, quando classificamos as espécies pela proporção da área afetada, a espécie potencialmente mais afetada foi o lagarto das dunas Liolaemus arambarensis, que teve 25% de sua distribuição afetada pela inundação. Foi seguido pelo sapo de barriga vermelha (Melanophryniscus dorsalis), a cecília argentina (Chthonerpeton indistinctum) e o tuco-tuco (Ctenomys lami), todos os quais tiveram cerca de 10% de suas áreas de distribuição afetadas pela inundação”, indica o artigo.
“No Rio Grande do Sul, 155 espécies de tetrápodes estão atualmente listadas como ameaçadas. As principais ameaças são perda e degradação de habitat, espécies invasoras, caça, atropelamentos e um sistema extremamente limitado de Unidades de Conservação. Assim, os ecossistemas nativos e sua biodiversidade já estavam severamente ameaçados antes da inundação. Portanto, a inundação pode ter atuado sinergicamente com essas ameaças anteriores e impactado diretamente as populações de tetrápodes”, informam os pesquisadores.
Mudanças climáticas
Como destaca o artigo, “as mudanças climáticas não são mais uma preocupação futura, mas uma realidade urgente com consequências já em andamento. Os padrões climáticos alterados levaram a um aumento na frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, como ondas de calor, secas, incêndios, chuvas extremas, inundações e deslizamentos de terra”. Em todo o Brasil, espera-se que as temperaturas aumentem de 3 °C a 6 °C até 2100. Além disso, estima-se que a região norte do Brasil se torne muito mais seca e que a região sul experimente aumento na precipitação, com até 35% a mais de chuva até 2100.
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