Em busca do tempo perdido

Em busca do tempo perdido

Tenho uma pequena propriedade rural em São Francisco de Assis. Menos de dois mil hectares. (Dez hectares é menos do que dois mil hectares). Foi lá que nasci, me criei matando passarinho, com bodoque, arma jurássica e rudimentar mas eficiente. Matava perdizes, tico-tico, pomba rola, carijós, saracura e outros que facilitassem. Competíamos na pontaria entre primos. Lembro de um, o Américo, que era exímio atirador. Imitava uma perdiz e ela aparecia com a cabeça erguida procurando a companheira. Esse gesto era fatal. Américo atirava no pescoço, para “não estragar a carne”. Era o nosso líder.

Pois bem, o tempo passou, envelhecemos, os cabelos caíram e os que sobraram, ficaram brancos . As lembranças das caçadas são hoje apenas um trauma de infância. Me considero uma criatura em débito com a natureza. Sou hoje um ecologista nato. Me irrito quando ouço histórias de caçadas, pescarias predatórias, desmatamento, lixo jogado no meio ambiente, poluição de rios, do ar. Os tempos são outros. Acabou a abundância, inclusive da fauna silvestre. Até porque seu habitat natural foi quase extinto.

Minha nova postura é de um conservador, por excelência. A propriedade é pequena mas lá mando eu. É absolutamente proibida a entrada de caçadores, pescadores, armas, cachorros. Planto árvores nativas, frutíferas, estimulo a criação de abelhas sem ferrão, hoje quase extintas, para auxiliarem na polinização. Preservo fontes de água plantando árvores ao redor, isolando das criações. Simples. Fujo do discurso vazio e tomo atitudes. Melhor do que isso, só dois issos. Sustentabilidade vai muito além de escrever textos bonitinhos, colocar lixeiras coloridas, convidar as autoridades para plantar uma mudinha de Pau Brasil na Praça, no Dia da Árvore.

Mas há poucos dias quase fui preso pela inquisição ambiental. Estava à beira da estrada vicinal substituindo um velho Pinus Elliottii (me corrija o Dr. Emerson ou a Maiara se a grafia estiver errada), por um Pinheiro Brasileiro, Araucária Angustifolia, que pode viver mais de quinhentos anos, um pouco mais do que este que vos escreve, e que está sob risco de extinção. Eis que uma viatura da Patrulha Ambiental passava e fui inquirido a dar explicações. Fiz o que pude, falei que no Pinus Elliottii nunca vi um pássaro, um ninho sequer, um carancho sentado. A árvore é o símbolo do vazio ecológico. Já o Pinheiro brasileiro produz pinhão, atrai papagaio charão, caturrita, sagüis, gralhas, etc. Relatei aos fiscais todas as minhas ações preservacionistas. E disse:___A gente fica mais próximo da verdade quando analisa o todo e não apenas as partes. Fui perdoado. Afinal eles estavam cumprindo uma missão.

Possuo matos nativos. Costumo observar, em silêncio, a fauna local. Com um pouco de paciência e uma certa dose de sorte, é possível observar muitas espécies. Bugios, ameaçados de extinção, Capivaras, Jaguatiricas, um animal misterioso, rei do disfarce e muito lindo, da família da Onça Pintada. Encontrei nos matos uma biodiversidade acima da expectativa. Seriemas, Jacús, Urutaus, Alma de Gato. Quase todos transitam perto do rio. Afinal ele é a única estrada possível. Mas vi também uma ameaça considerável: acampamento de caçadores. Meus próprios vizinhos gostam de caçar. Sempre com desculpas esfarrapadas de que os animais silvestres são predadores de galinhas, ovos, etc. Têm o mesmo quilate bestialógico de uma mula. Confio em que a Patrulha Ambiental cuide deles!

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