Quando a imprensa me informa que um atentado à bomba no Afeganistão mata mais de duzentas pessoas, minha crença na coerência, caráter, temperamento equilibrado, percepção moral do ser humano, cai ainda mais em descrédito. Como pode ser possível semelhante brutalidade? Porque tamanha estupidez, tanta maldade, tanto ódio? Em nome de religiões, de idéias, de ideologias o ser humano se revela um monstro capaz de atrocidades inimagináveis. Dá-lhe o poder e conhecereis o homem. Verdade incontestável. Quantos eventos históricos deixaram sua marca de terror e sangue tanto na história antiga como na contemporânea! Nessa relação tivemos a Inquisição, o Holocausto, a Escravidão, extermínios étnicos, massacres de crianças, mulheres, velhos, deficientes mentais, atentados terroristas que não escolhem vítimas.
O exercício da violência, sob qualquer pretexto, revela a sensação de desajuste do indivíduo, de instabilidade emocional, do prazer pelo mal, pela sombra. Não é preciso uma narrativa longa para abordar o tema. Os fatos por si só são muito fortes. Uma foto circulou nesta semana, de um afegão numa maca, ensangüentado, feições de dor, espanto, é uma descrição sumária da incompreensão daquela vítima pelo absurdo da vida. Imagens dos guerrilheiros talibãs com seus cabelos desgrenhados, portando armas poderosas, fuzis, facas prontas para apunhalar, degolar, matar. Caras de assassinos, porque assassinos são. Tudo com a desculpa vazia de que o que fazem, o fazem em nome de Deus. Pobre Deus, servindo de justificativa até para as maiores vilanias.
Na história antiga justificava-se a violência pelo processo histórico que ainda estava em desenvolvimento. A barbárie era lugar comum. Mas e agora que atingimos o apogeu do desenvolvimento? Continua um profundo desengano em relação a racionalidade do ser humano. Onde foi parar a ética cristã, se para ela bom é o pacífico, o humilde; o mau é o enérgico, o forte, o violento. Os fundamentalistas talibãs odeiam as mulheres, detestam o sorriso, a alegria contagiosa. Por isso obrigam as mulheres a andarem escondidas em suas roupas pretas que lhes cobre a cara. A tortura segue solta, a degola, o fuzilamento. São bárbaros com postura medieval mas em pleno 2021. Se disserem que o céu é verde, todos têm que assentir, de cabeça baixa em sinal de submissão absoluta. É isso ou a morte.
E assim seguimos neste esforço de fazer de conta que nada temos a ver com isso ou aquilo. Pertencemos ao time dos Alienados. Fizemos de conta que estamos revoltados mas na verdade não estamos nem aí. Já tenho problemas que chegue, diz meu vizinho, da Mixaria. Com essa postura o caminho está livre para as grandes injustiças se perpetuarem. Os desmandos, os abusos de poder, as injustiças sociais, a corrupção, as mentiras, a fome, a arrogância, os roubos. Ninguém se manifesta. Atuamos como a avestruz.
O medo e a zona de conforto nos impede de nos manifestar mas também de admirar os passarinhos, o vento, o Sol, as flores da primavera. Tantas coisas bonitas que temos ao nosso redor todos os dias. Vamos rir da piada ruim e sem graça do Juvino, vamos dar bom dia, boa tarde, dizer muito obrigado, com licença, vamos ser comedidos na crítica e generoso no elogio, como costumava dizer meu grande amigo Romalino Pinto e Silva. Pequenos gestos e posturas fazem um pouco melhor esse mundo atroz. Mas use seu direito de expressão, de manifestação, não aceite, incondicionalmente “verdades” de quem sequer sabe o que diz. Conteste, defenda se ponto de vista. Não precisa convencer os que pregam o mal. Apenas exponha sua repulsa. A passividade é crime, crime de omissão.