Canoagem: uma conexão inexplicável com a natureza

Canoagem: uma conexão inexplicável com a natureza

O ser humano sempre precisou dominar, de uma forma ou outra, os rios e os mares para que pudesse tirar o máximo proveito, desde da alimentação ou locomoção. A canoa e o caiaque foram um dos primeiros instrumentos com essa função a serem utilizados pelos ancestrais, anos atrás. E hoje, a canoagem é um esporte náutico que vem ganhando cada vez mais espaço e conhecimento entre a população.

Clair Antonio Leusin recentemente realizou uma expedição de canoagem e relata que foi uma das melhores experiências de sua vida. Ele pratica, com caiaque, desde 2015 tanto em grupos ou sozinhos, remando percursos curtos. Leusin afirma que não considera apenas um esporte, e sim um momento de liberdade, contato com a natureza e exercício físico. “No caiaque, dentro de um rio, apenas vemos e sentimos a água e a vegetação ribeirinha, já que nas barrancas as pessoas não conseguem fazer lavouras, em função das leis de proteção ambiental. O silêncio e o ar puro que acompanham esta atividade, não tem preço”, relata.

Tudo começou com uma atividade. Clair é um dos fundadores da ONG Terra Verde de Santa Rosa, que em 2015 criaram o projeto Tape I Iandê (Caminho das Águas, em Guarani), na qual foi construída uma jangada com material reaproveitado. O funcionamento era base de pedais, desprovida de motor, que percorreu por quatro anos seguidos o trajeto de 300 quilômetros entre as cidades de Porto Mauá e São Borja. Dessa maneira, acreditam que esta prática serviu de mola propulsora para o Projeto Uruplata.

Antes de embarcar na expedição, ele fez uma pequena viagem para testar os equipamentos que levaria consigo, descendo de Dr. Maurício Cardoso até Porto Mauá. O que até então era levado como hobby, acabou se tornando maior e dia 06 de janeiro de 2018 saiu de São Borja com destino a sua aventura. “A fase de maior aprendizado em relação ao equipamento usado foi no início, em que tive a participação de um amigo de Uruguaiana, Paulo Borges, que me acompanhou até Uruguaiana. É muito difícil explicar com palavras o que vivi na expedição, e creio que somente pessoas que realizam algo similar, irão entender completamente este sentimento. Trata-se de algo único, onde os desafios são muito intensos e a cada instante a realidade muda totalmente, seja pelo encontro com pessoas de outro idioma, que não entendem nossa real intenção, ou em função das leis (Argentina, Uruguai) que são diferentes das nossas. As maiores dificuldades percebidas desde os primeiros dias foram referente à logística e o tempo necessário para a retirada dos utensílios do caiaque, transportá-los até o local do acampamento, juntar lenha, fazer o fogo, montar a barraca, fazer a comida, etc.; e então no outro dia, realizar todo esse processo contrário: desmontar acampamento, carregar tudo de volta até a beira do rio, organizar no caiaque e alimentar-se. Em Paso de los Libres (fronteira com Uruguaiana), os trâmites da legislação Argentina causaram-me um atraso de quatro dias. Lá, pude perceber a indiferença e o descaso do Consulado Brasileiro, que deveria prestar auxílio nestas situações. Ao iniciar o percurso de forma solitária, tive muita ajuda das autoridades Argentinas, que me trataram sempre com o maior respeito, dando o apoio necessário. Deles recebi comida, hospedagem, sinal de internet para a comunicação com minha família, orientações sobre o rio e acompanhamento em cada local aonde chegava ao final do dia, inclusive, algumas noites passei nos destacamentos da Prefectura Naval, onde aproveitava para recarregar eletrônicos e lâmpadas. Praticamente em todo o trajeto acampei no lado Argentino, por questões de segurança, sendo que não tive qualquer problema nesse sentido. Pude observar também, que nos 260 km percorridos em águas de fronteira Brasileira, nenhuma vez fui abordado por policiais do nosso país, o que demonstra a fragilidade do Brasil no aspecto do contrabando. Nas águas do Rio Uruguai enfrentei a dificuldade de remar com ventos contrários na maior parte do tempo. A grande diferença desta atividade em relação a outras, como uma corrida a pé ou de bicicleta, por exemplo, é que se você parar de remar o vento contrário te leva rio acima e percurso precisa ser refeito. As belezas das paisagens são indescritíveis e únicas. Apesar do pouco tempo que me sobrava, devido às atividades já descritas, sempre procurei apreciar e sentir o que estava vivenciando, aproveitando para fazer imagens e gravar áudios e vídeos, enviando mensagens para amigos e principalmente para a família. Este, por sinal, é o aspecto mais complicado de uma viagem solitária, a saudade da família. Foram 30 dias de viagem com poucas oportunidades de conversar com eles”, comentou Leusin.

No dia 24 de janeiro encontrou um aventureiro argentino, Bruno Portis, que já realizou duas grandes viagens com caiaque pelos rios Paraná e Bermejo, na Argentina, com 1.100 e 1.400 quilômetros, com o projeto Expedición Libertad, e que agora está realizando uma expedição na Itália, de 3.200 Km. Após um dia de prosa e aprendizado com Bruno, seguiu viagem. E após alguns dias de remo sozinho, convidou seu novo amigo Bruno para participar do trajeto final de sua expedição. “Portis já havia retornado de General Pico e aceitou minha proposta, assim carregou seu caiaque no carro e voltou para remar os três dias finais. Um dos locais mais marcantes da viagem recebeu o nome de Ñangapiri (Pitanga, em espanhol), por ser um lugar fantástico, onde montamos acampamento. Três dias depois, chegamos à cidade argentina de Gualegauychú. Ali descobrimos que seria impossível continuar, devido às dificuldades naturais e em função de algumas imposições das autoridades argentinas, justificadas pelo grande risco causado pelas águas turbulentas com enormes ondas. Bruno Portis não hesitou em trazer-me para Santa Rosa no dia seguinte – 05 de fevereiro, e novamente percorreu mais de mil e quinhentos quilômetros, vindo a conhecer Santa Rosa nesta ocasião. A ele devo um agradecimento muito especial, pelo aprendizado e toda ajuda recebida”, agradece e confessa que pretende fazer uma viagem mais curta, por volta de uns 10 dias, na parte superior do Rio Uruguai.

“Creio que o melhor que a canoagem me trouxe foram as amizades que fiz com pessoas que não esperam nada em troca, e a compreensão de que realmente podemos ser felizes com muito pouco. Aprendi que a ostentação e o luxo apenas trazem a frustração, pois sempre condicionaremos nossa felicidade a uma aquisição maior e mais cara; Conheci pessoas humildes, que pouco tinham para comer, e me ofereceram um prato de algo que eu nem conhecia, mas comi com muita gratidão. Vi pessoas morando em casinhas simples, brincando com seus filhos com brinquedos de madeira, feitos por eles mesmos, mas o brilho nos seus olhos mostrava a felicidade plena”, reflete Leusin e acrescenta que todos podem fazer atividades boas sem muitos recursos financeiros e que estar integrado com a natureza e conhecer pessoas novas e especiais, além de superar seus próprios limites, não tem preço.

“Gostaria de agradecer ao Jornal Gazeta Regional, por ser a única empresa jornalística que buscou conhecer algo sobre meu projeto e o de Bruno Portis. Agradecer às empresas Macuco e Gago Bikes pela ajuda com equipamentos, e ainda à Floricultura Cheiro De Mato, por me permitir treinar ao longo de 9 meses no açude da empresa”, conclui Clair com uma frase que marcou sua jornada: quando o vento estiver a favor, reme; quando o vento estiver contra, reme mais forte.

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