As conexões entre aqueles que jogam basquete em Nova York são profundas. Gerações de meninos e jovens participaram de partidas em playgrounds, nas quadras das escolas. Se você não jogou com alguém, provavelmente jogou contra essa pessoa durante alguma partida.
Nas quadras de basquete de Nova York, não há muitos graus de separação. E o coronavírus não precisou saber dessa informação. Mas a pandemia a reforçou – fatalmente.
David Cain, que cresceu no Harlem e jogou basquete no St. John’s no início dos anos 1990, estava prestes a comemorar 49 anos e queria celebrar a data. Ele espalhou a notícia de que haveria uma festa em 14 de março no Mom’s Cigar Warehouse & Lounge em Scarsdale, um subúrbio ao norte da cidade.
Lee Green, de 49 anos, ex-companheiro de equipe do St. John do Bronx, atuaria como DJ. Dezenas de homens, grande parte na faixa dos 40 anos, a maioria conectada à rede de basquete da cidade de Nova York, compareceriam. Encontraram lenços na porta, depois relaxaram nas cadeiras de couro, compartilharam bebidas e comidas no meio da fumaça e da camaradagem. “Foi uma maravilha, uma ótima noite”, disse Cain. “Uma noite linda.”
Dez dias depois, dois homens morreram de coronavírus, incluindo Green. Jonathan Duck, de 50 anos, um homem grande do Bronx que jogou no Iona (universidade), também morreu. Ele e Cain eram companheiros de equipe e rivais durante o Ensino Médio.
Pelo menos, quatro pessoas que compareceram à festa tiveram exames que confirmavam o diagnóstico de coronavírus, incluindo Cain, que agora se recupera sozinho em casa. Muitos outros estavam esperando por resultados, disse Cain, ou monitorando seus sintomas semelhantes aos de uma gripe.
Entre aqueles que participaram da festa, havia pelo menos dois ex-jogadores da NBA que surgiram como estrelas de Nova York na década de 1970: Steve Burtt Sr. estava lá e, de acordo com Cain e Burtt, também David Britton.
Cain disse: “Na semana anterior, pensávamos coisas como: ‘As pessoas querem sair? Elas estão com medo? ‘Não estávamos com medo nesse momento ou talvez não entendêssemos a gravidade. Acho que não entendemos a importância do distanciamento social de verdade “.
Pelo menos uma outra estrela do basquete de Nova York morreu devido ao coronavírus – David Edwards, do Queens, que jogou uma temporada em Georgetown e depois estrelou no Texas A&M, onde obteve média de 13,5 pontos e saiu como recordista dos Aggies em assistências e roubadas de bola. Ele tinha 48 anos.
Cain e Edwards foram companheiros de quadra pela AAU. Edwards já estava doente antes da festa. Caso contrário, ele poderia ter comparecido também. “Três bons amigos – foi uma semana difícil, para dizer o mínimo”, disse Cain na quinta-feira. Ele estava em casa, sozinho, em Syracuse, Nova York, em isolamento do mundo exterior. O pior dos sintomas havia diminuído, disse ele.
“Não ouvi falar de mais ninguém morrendo neste momento, bate na madeira”, disse ele. “Mas toda vez que você checa o telefone ou quando ele toca e quem liga são certas pessoas em determinados momentos …”
O pensamento oscilou. “É um estado mental agora”, disse ele. À medida que o coronavírus se espalhou pelo mundo, cientistas e políticos pediram ou forçaram o distanciamento social. Altamente contagioso, o vírus pode ser transmitido facilmente de uma pessoa para outra, mesmo que não haja sintomas. Foi assim que a covid-19 se espalhou de Wuhan, na China, primeiramente – um pequeno surto que se tornou uma pandemia porque as pessoas viajaram e contaminaram uns aos outros.
Um mercado em Wuhan. Um lar de idosos perto de Seattle. Uma festa em Connecticut. Mardi Gras em Nova Orleans. Uma festa de aniversário em Scarsdale, talvez. Não se sabe se eles pegaram a doença lá ou se já estavam infectados, mas a doença devastou um grupo de amigos unidos pelo basquete.
Nova York teve seu primeiro caso confirmado em 1º de março. Os subúrbios de New Rochelle foram um dos primeiros locais do país a ser isolado por conta do número de casos. Primeiro trocou-se o aperto de mãos por cumprimentos com os cotovelos, depois começaram os planos para fechar restaurantes. Em 11 de março, depois que o exame de um jogador de basquete deu positivo para o coronavírus, a NBA suspendeu a temporada. Um anúncio de que as escolas da cidade de Nova York fechariam chegaria em 15 de março.
Mas em 14 de março, um sábado, haveria uma festa, em antecipação ao aniversário de Cain, que seria três dias depois. O Mom’s Cigar Warehouse & Lounge tem uma sala privada que pode acomodar 70 pessoas e, naquele momento, não havia restrições em Nova York sobre reuniões com esse número de pessoas.
Mitul Shah, um dos proprietários, disse que havia discutido o cancelamento da festa com Cain e que eles haviam decidido tomar precauções extras. Haveria muitos lenços descartáveis e produtos de limpeza, os funcionários usariam luvas e ninguém que apresentasse sintomas de resfriado ou gripe poderia entrar no lugar.
Shah disse que a festa de 14 de março foi a última realizada no restaurante. Como outras empresas de Nova York, ela permaneceu aberta por mais uma semana, até que todos os estabelecimentos não essenciais recebessem ordem para fechar.
Shah questionou se a festa foi a fonte da propagação. Cain não tem nenhuma dúvida sobre isso. “É coincidência demais que isso não estivesse por lá”, disse ele. “O problema não foi o local. O vírus já estava entre nós”. Cain começou a ficar doente alguns dias depois – febre, calafrios e suores, disse ele. Um teste para a gripe deu negativo. Quando ele disse aos médicos que estava na área de Nova York em uma festa, eles o testaram para detectar o coronavírus.
Enquanto esperava vários dias pelos resultados, Cain soube que o exame de outra pessoa na festa havia dado positivo para coronavírus. Quando ele recebeu seus próprios resultados, em 22 de março, reforçou o recado para todos: isolem-se e façam o teste.
Ele não sabia que, naquela época, Green estava na agonia final do vírus. Ele se sentiu doente a semana toda, principalmente com tosse. Quando sua febre aumentou em 20 de março, ele foi ao hospital.
Ele fez o teste para detectar o coronavírus, disse sua família, e foi informado que os resultados levariam algum tempo. Ele foi para casa. E morava sozinho.
“Eu não vou mentir”, ele mandou uma mensagem para sua filha Bria Natalie Green, de 26 anos, uma de seus quatro filhos. “Estou morrendo de medo.”
Foi a última mensagem que ela recebeu do pai. Em 22 de março, Green ligou para sua irmã, Aiyana Green, em Nova Jersey, usando o FaceTime. Era o aniversário dela.
“Ele me ligou e eu percebi que ele não estava se sentindo bem”, disse ela. “Ele disse, feliz aniversário, irmã. Eu disse: ‘Você não parece estar bem’. Ele disse: ‘Eu sei, estou me sentindo estranho. Não posso nem caminhar até a cozinha agora, pois não consigo respirar direito.”
Quando ela chegou ao Bronx, ele mandou uma mensagem dizendo que estava a caminho do hospital. “Qual?”, ela perguntou. “Einstein”, ele escreveu. Foi a última conversa deles. Ela correu para o hospital, mas não conseguiu entrar. “Eu só queria segurar a mão dele. Eu queria estar perto dele – disse ela, chorando enquanto contava a história. “Eu continuava dizendo ao médico, se você continuar dizendo meu nome para ele, prometo que ele vai viver. Continue dizendo Aiyana, Aiyana, Aiyana. Por favor. Mas eu sei que eles estavam sobrecarregados.”
Ela passou boa parte da quinta-feira planejando o funeral e o enterro. Eles serão limitados a 10 pessoas. Se Green, Duck ou Edwards tivessem morrido de outra maneira, em qualquer outro momento, a comunidade de basquete de Nova York realizaria grandes funerais, grandes celebrações sobre a vida deles.
Aiyana Green não culpa a festa de aniversário pela morte de seu irmão. Há algumas semanas, as conversas sobre a propagação do vírus mencionavam o risco apenas para pessoas idosas ou com comorbidades. Isso não se aplicava a jogadores de basquete de meia-idade. “Meu irmão deve ter pensado isso – que ele não se encaixava no perfil de risco”, disse ela. “Que estava tudo bem estar entre seus amigos.”
Fonte: Terra