Eu tinha que colocar tantas palavras nesta página em branco, tantas vírgulas, tantos
acentos, pontuações, figuras de linguagem, escolha de palavras, organização do texto, idéias.
Não sabia sobre o que escrever enquanto a minha chefe cobrava:___Quero uma matéria para
quarta feira. Pensei em fazer mais uma crônica sobre memórias passadas mas disse à mim
mesmo:___Hoje não. Já tratei disso em outros artigos. O passado já passou, a realidade é aqui
e agora. A vida é agora, o futuro ainda não chegou. Vou falar do meu mundo presente. Olhei
em volta e me senti feliz. Tenho onde morar, tenho uma família que amo, lembrei que minha
filha está viajando e enviou ontem uma foto, feliz, sobrevoando uma cordilheira nevada,
deslumbrante. Eu estou feliz, meus filhos estão bem. A vida é boa. Satisfez meus desejos,
sonhos, esperanças.
Claro que a gente tem uma certa pressa. Tantas coisas ainda a fazer em tão pouco
tempo. Então, não fique aí sentado, esperando, pensando. A vida não é um problema
filosófico; é um problema existencial. Observe ao seu redor e viva a beleza da vida, deguste,
aproveite. Não fique aí tentando provar que você é alguém. Você é. Converse com as pessoas,
interaja, troque idéias, sentimentos, afeto. Deixe as preocupações de lado.
Hoje sou um homem otimista, procuro ver o lado positivo da vida. Mas já fui
pessimista, introspectivo, derrotista, cético. Via o mundo como se tivessem jogado um gato
morto na sala. Às vezes ficava longo tempo recolhido, estático, pensando em como resolver
meus problemas. Minha figura caricata lembrava a de um louco no pátio de um hospício,
olhando para o nada, durante horas. Me enchia de preocupações só em pensar em algum
problema que poderia vir pela frente. Lembro que ficar sozinho é uma condição necessária
para a vida, mas com limitações. Meditação é uma coisa; isolamento é outra.
Agora mudei minha forma de viver. Sou um afortunado, tenho 86 bilhões de
neurônios, centenas de trilhões de circuitos neurais que compõe meu complexo cérebro. É a
poderosa máquina que comanda cada um de nós. A mais perfeita entre todos os animais. Do
que vou me queixar? Nem tudo é perfeito, claro. Sou baixinho e isso me atrapalhou no
processo das conquistas amorosas. Mas há pouco olhei para o chão e vi uma formiga olhando
para cima e me ameaçando com as patinhas. Sou bem maior que ela, sou superior a alguma
coisa. Meu gato Frajola, também me olha num gesto de submissão. Creio que ele pensa que
também sou um gato, porém um gato grande.
Enfim, estou à caminho dos oitenta anos, não tenho Alzheimer, desenvolvo atividades
físicas e intelectuais normalmente, os sentidos sabem que têm tarefas a cumprir e cumprem.
Ouço, enxergo, degusto meu copo de chopp. Sempre tratei um corpo com muito respeito e
consideração. Talvez por isso os cinco sentidos ainda não me abandonaram! Muito obrigado!