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Ainda é Janeiro, férias, tempo ideal para evocarmos nossas lembranças, nosso passado. Vou escrever sobre minha tia Anaurelina, irmã de meu pai. Feia até no nome, como puderam ver. Desde criança era o patinho feio da família, destacava-se dentre as outras crianças, não apenas pela sua vivacidade, espontaneidade, mas pela feiura. Nariz adunco que lembrava um gavião, testa grande, queixo proeminente, estatura pequena, muito magra, não pesava mais que uma mosca. Conseguiu arranjar um noivo mas depois de longo período de namoro, ele desapareceu e nunca mais foi visto.

Como toda a noiva abandonada, tia Anaurelina ficou condenada a arrumar a igreja, vestir mortos, vigiar namorados, cuidar dos doentes, ensinar o catecismo.escrever cartas para os parentes analfabetos. Mas ela foi dessas pessoas que esperava deixar sua marca no mundo pelas coisas boas que fazia, pelas ações de cunho social, pelo bem praticado, pelos bons conselhos que dava. Falavam que tia Anaurelina foi mais que uma simples mulher, foi uma instituição. Tive acesso e guardo comigo algumas cartas que ele escreveu para minha mãe. Uma caligrafia impecável, ortografia elegante e primorosa. Empregava corretamenete os verbos, os pronomes. Estudou quase nada; leu muito. Detentora de uma energia criativa ímpar. Mesmo após sofrer as frustrações no amor, continuou muito romântica. Escrevia poemas, acrósticos, que são composições poéticas que, quando colocadas em determinada ordem as primeiras letras de cada palavra formam nomes. Ela oferecia seus acrósticos para os sobrinhos, amigos, pessoas de sua convivência. Alguns parentes ainda têm consigo poemas da tia Anaurelina, como prova da sua energia criativa e inspiradora.

Sempre que algum vizinho precisava ir à cidade, e isso demandava dois dias para deslocamento à cavalo, deixavam as crianças com minha tia. E ali, naquela desoladora indigência arquitetônica das nossas casas de campo ela aproveitava para dar conselhos, contar histórias, falar dos antepassados, do mundo do “tempo antigo”, como ela dizia. Até por incipiência cultural, nenhuma outra pessoa oferecia aquela visão geral da vida passada. Naquelas saborosas conversas, tia Anaurelina, esclarecia naquele amontoado de nomes, fatos, datas, tradições, as práticas culturais, os comportamentos e assim desfilavam fatos que marcaram a história da nossa família, da vida passada aos tempos em que ela viveu.

Ela não foi uma simples mulher, ela foi uma instituição. Quanto mais o tempo passava mais ela dedicava sua vida a cuidar dos fihos dos outros, arrimos de família, frutos de aventuras de sobrinhas, ela assumia sua criação. Dedicou-se tanto a isso que nem teve tempo de procurar outro noivo.

Meu pai contava que, em certas ocasiões, algum sobrinho, recém saindo da adolescência, participava de alguma briga em bailes, minha tia xingava dizendo: —Deixa de bobagem, guri. Ainda mija nas calças e quer bancar o homem! Pensa que é Napoleão mas não é, não! Recomendando comportamento ético e moral para as sobrinhas dizia. ___Se preservem. Em geral as mulheres são todas umas putas, exceto a mamãe!

Morreu aos noventa e dois anos (92), lúcida, ativa, indo ao mercado fazer compras, cuidando dos bisnetos, com uma memória de causar inveja. Morreu de tanto viver. O coração cansou.

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