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Fabio Anklam – Diel e Treter Advogados

A Previdência Social tem sido a principal atenção do governo brasileiro, desde a promulgação da Constituição Federal ocorreram diversas e sucessivas reformas, emendas constitucionais, alterações legislativas e medidas provisórias. O cenário em que se procedera a essas alterações das regras previdenciárias foram sempre os mesmos, ou seja, crise econômica, preocupação com o aumento da expectativa de vida e os equívocos estruturais dos regimes próprios, a pressão de órgãos internacionais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, entre outros. Assim, diante das informações conflitantes sobre a nossa Previdência, necessário que se analise o discurso oficial do déficit previdenciário e, em contraponto, o entendimento de que, em verdade, a seguridade social seria até mesmo superavitária, assunto sobre o qual a ANFIP (Associação Brasileira dos Auditores Fiscais da Receita Federal) tem se dedicado, com a elaboração de diversos estudos.

O Regime Geral da Previdência Social é regido essencialmente pela Lei nº 8.212/91 (Plano de Custeio), pela Lei 8.213/91 (Plano de Benefícios da Previdência Social) e pelo Decreto 3.048/99 que é o regulamento geral. Em síntese, pode se afirmar que a Previdência Social é o seguro coletivo, contributivo, compulsório e estatal, com o objetivo de proteger os segurados e dependentes dos chamados riscos sociais, dispostos no art. 201 da Constituição Federal.

A CF/1988, em seu art. 194, instituiu o conceito de Seguridade Social, da qual faz parte a Previdência Social. O Art. 195 determina que a Seguridade Social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e institui as contribuições sociais. As contribuições previstas no art. 195 destinam-se ao financiamento de toda a seguridade social, no entanto, a Emenda Constitucional nº 20 (com a criação do Inciso XI do art. 167 da CF/88) destinou especificamente ao Regime Geral de Previdência Social as contribuições sobre a folha de pagamento e as contribuições dos trabalhadores e empregados da previdência social. Essa medida foi importante para a Previdência Social, pois impede que o Poder Executivo destine recursos para cobrir outras despesas que não as dos benefícios previdenciários. Isso não significa que somente essas contribuições passariam a financiar o sistema previdenciário, mas estabelece
que elas devem financiar somente o regime geral de previdência.

O Decreto nº 3.048/99, também regulamentou o custeio da seguridade social em seu art. 195, no sentido de que será financiada por toda a sociedade. Ainda, no art. 196, parágrafo único estabelece que a União é responsável pela cobertura de eventuais insuficiências financeiras da seguridade social, decorrentes de pagamento de benefício. A União não tem, efetivamente, uma contribuição social, mas participa atribuindo dotações de seu orçamento, fixados obrigatoriamente na Lei Orçamentária anual. Não há percentual mínimo definido para ser destinado à seguridade Social, tal como ocorre, por exemplo, com a educação, sendo uma parcela aleatória. No entanto, a União pode socorrer-se do caixa da Seguridade Social para pagar seus encargos previdenciários, utilizando recursos provenientes das contribuições incidentes sobre o faturamento e o lucro.

A Lei 8.212/1991, ainda institui mais fontes de custeio em seu art. 27, como, por exemplo, as multas, a atualização monetária e os juros moratórios, 40% do resultado dos leilões dos bens apreendidos pelo Departamento da Receita Federal, ampliando ainda mais o rol de fontes de custeio, não se limitando somente ao recolhimento sobre a folha de salários.

Importante referir que não existe um único modo de prover a proteção social, no âmbito mundial há vários modelos de sistemas previdenciários em funcionamento, no Brasil, o modelo adotado é o de repartição, onde as contribuições sociais são vertidas para um fundo único, do qual saem os recursos para a concessão dos benefícios. Esse modelo repousa no ideal de solidariedade, no pacto entre as gerações, cabendo a atual geração de trabalhadores em atividade, pagar as contribuições que garantem os atuais inativos, ideia lançada no Plano Beveridge inglês, que até hoje norteia a maior parte dos sistemas previdenciários no mundo.

Apesar da preocupação com o custeio da previdência social e a diversidade de base de financiamento, desde logo o sistema previdenciário passou a ser alvo de críticas e previsões de falência. No período pós CF/88, houve significativo aumento nos gastos da Seguridade Social, assim, verificou-se que o sistema previdenciário passou a apresentar déficits significativos, sendo que as reservas que deveriam ter-se constituído no período em que o sistema era jovem, foram empregadas com outras finalidades, como, por exemplo, a construção de Brasília entre outros.

A partir daí, passaram a ocorrer sucessivas alterações legislativas, com diminuição de benefícios ou endurecimento de requisitos que haviam sido inicialmente previstos, até que em 2016 surge a PEC nº 287 e agora a PEC nº 6/2019 e um dos seus principais objetivos é a instituição de uma idade mínima para a aposentadoria, sob o argumento das demais reformas já realizadas: o déficit previdenciário.

Algumas das razões apresentadas pelo governo federal (que podem ser acessadas pelo site www.camara.leg.br) é que a reforma se justifica para fortalecer a sustentabilidade do sistema de seguridade social e se mostra indispensável e urgente, para que possam ser implantadas de forma gradual e garantam o equilíbrio e a sustentabilidade do sistema para as presentes e futuras gerações. Ainda, diz que “o veloz processo de envelhecimento da população exige a revisão das regras previdenciárias que escolhemos no passado. A Previdência já consome mais da metade do orçamento da União, sobrando pouco espaço para a educação, a saúde, a infraestrutura e provocando uma expansão insustentável de nossa dívida e seus juros”.

O Governo Federal é convicto quanto à insustentabilidade do sistema previdenciário. Ainda, a posição é pela separação das receitas da Previdência Social, apesar da existência de um orçamento único da Seguridade Social, sendo defendida a DRU (Desvinculação das Receitas da União) e a inclusão das despesas de aposentadorias de servidores públicos e militares, apesar de a CF/88 expressamente definir que a Previdência Social se refere unicamente ao Regime Geral.

Em sentido totalmente oposto ao discurso do Governo Federal, a ANFIP (dentre outros), afirma que há superávit nas contas da Previdência Social, mesmo com renúncias fiscais, queda na economia e no emprego. Segundo a ANFIP “para amparar o discurso do déficit, o governo desconsidera dezenas de bilhões de reais das receitas de contribuições sociais e ainda acresce outros bilhões de reais em despesas que não poderiam entrar nessas contas (www.anfip.org.br/publicações). Para somente citar um exemplo, o governo acrescenta nas despesas da Seguridade Social os regimes previdenciários de servidores e de militares, esses sim, com despesas muito maiores do que a receita, o que seria totalmente inadmissível. O regime previdenciário é exclusivamente o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), conforme disposto na CF/88 e somente as suas despesas que deveriam ser consideradas.

Em suma, o Governo considera em sua soma de receitas somente as contribuições sobre a folha de pagamentos e as oriundas da receita de concursos e prognósticos. Exclui, assim, todas as contribuições provenientes da receita ou do faturamento e o lucro das empresas, alegando que essas são arrecadadas pela Receita Federal.

Como se vê, o discurso que contrapõe a posição do governo se baseia na unicidade do orçamento da seguridade social, no conceito da seguridade social, que excluiria despesas indevidas consideradas pelo governo e incluiria todas as receitas das contribuições sociais, bem como nos desvios descabidos de verbas que são feitos há anos, apresenta-se assim, um paradoxo de discursos.

Dois discursos, tão contraditórios, um de déficit e outro de superávit, ocorre em razão de divergência de interpretação da Constituição Federal, e no que deve ser considerado receita e despesa da previdência social. O Ministério da Fazenda entende que não são todas as contribuições sociais do Art. 195 da CF/88 que devem ser somadas como receitas, nesse sentido consta o Informe da Previdência (http://sa.previdencia.gov.br/site/2019/02/beps18.12.pdf).

Contudo, tal argumento não observa o disposto no art. 163 da CF/88, o qual informa que há somente três orçamentos oficiais e legítimos: orçamento fiscal, orçamento de investimentos das empresas públicas da União e orçamento da seguridade social, sendo que esse último inclui, além das contribuições incidentes sobre a folha de pagamento, aquelas sobre a receita ou faturamento (PIS/Pasep e Cofins), além do lucro (CSLL) e do importador de bens ou serviços do exterior, que são ignorados pelo governo.

A ausência de déficit ganha força também com o resultado da CPI da Previdência, instaurada em abril/2017, para investigar as contas da Previdência Social. O relatório da CPI afirma que há inconsistência nos dados informados pelo Governo Federal acerca do déficit, o que teria como objetivo o fim da previdência pública para criar um campo de atuação de empresas privadas (https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/10/25/cpi-da-previdencia-aprova-relatorio-final-por-unanimidade).

Ademais, vários estudos e pesquisas realizados, concluem que o posicionamento do Governo Federal quanto à existência de déficit previdenciário e de necessidade de reforma, sob pena de falência da Previdência, não subsiste quando confrontado pelos dados colhidos pela CPI da Previdência e os extensos estudos e relatórios da ANFIP, dentre outros. Especialistas dizem que o custeio da Previdência Social brasileira foi estruturado de forma a garantir receita suficiente ao sistema de proteção, sendo tão superavitário que permitiu o desvio de verbas para fins diversos e a criação da DRU, que retira 30% das verbas da Seguridade Social.

Segundo especialistas da área, existem várias alternativas à Reforma da Previdência e à Sustentabilidade do Sistema, sendo que a única solução apontada pelo governo sistematicamente é a redução de benefícios, o que parece não estar correto, além de representar retração de direitos sociais conquistados. Não se pode esquecer que a Previdência Social é um direito fundamental tendencialmente apto a garantir a dignidade da pessoa humana, a redução das desigualdades sociais, a justiça social, entre outros objetivos constitucionais.

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